No último ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, PT, teve encontros com 13 ditadores. Levantamento realizado pela Gazeta do Povo mostra que o petista teve encontros formais com mais de 80 líderes internacionais, entre presidentes, primeiros-ministros, reis e autocratas. A figura com quem o mandatário brasileiro mais se encontrou, foi o ditador cubano, Miguel Díaz-Canel. Lula também se reuniu presencialmente com o venezuelano Nicolás Maduro e líderes dos seguintes países, Arábia Saudita, Cabo Verde, Catar, China, Emirados Árabes, Etiópia, Guiné-Bissau, Irã, República Democrática do Congo, República do Congo e Vietnã.
O levantamento feito pela reportagem levou em conta os compromissos oficiais previstos na agenda presidencial e que aconteceram presencialmente. Os encontros contabilizados só levam em conta agendas bilaterais ou privadas. Eventos ou reuniões com diversos líderes, com a cúpula do Mercosul, por exemplo, não foram levados em consideração para a contagem. Para classificar o país como não democrático, a reportagem utilizou o ranking do jornal inglês “The economist”, que anualmente elenca as nações mais democráticas do mundo. O método utilizado pela publicação leva em consideração a avalição de especialistas e pesquisas de opinião pública dos 167 países que aparecem na lista.
Lula teve quatro agendas bilaterais com o ditador de Cuba.
Ao longo de 2023, Lula e Díaz-Canel estiveram juntos em quatro ocasiões. Os primeiros contatos foram feitos com o intuito de retomar a relação bilateral entre Brasil e Cuba, que havia sido interrompida durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). O encontro aconteceu em janeiro, na Argentina, às margens da cúpula da comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac).
Já em um segundo encontro, ocorrido na França, os líderes se reuniram para oficializar as relações diplomáticas e discutir a dívida que o país caribenho tem com o Brasil. Havana possui uma dívida bilionária com o governo brasileiro, proveniente de financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social (BNDES) para obras de infraestrutura em solo cubano. O montante mais as multas por atrasos da dívida superam R$ 2,6 bilhões. Um documento do governo obtido pela Folha de São Paulo em setembro mostrou que as “autoridades do país externaram não possuir neste momento meios para o pagamento das suas obrigações”.
Mas muito além das discussões sobre o débito do país com o Brasil, Lula mantém uma relação ideológica com Cuba há várias décadas. O petista era amigo do ditador Fidel Castro, já falecido, que governou o país por mais de 30 anos. Da mesma ala ideológica, Lula e Castro foram fundadores do Foro de São Paulo, organização criada para unir a esquerda da América Latina.
Outro encontro aconteceu em setembro, quando o brasileiro foi convidado pelo autocrata cubano para participar da cúpula do G-77 mais China, que Cuba sediou. Logo após a passagem por Havana, Lula marcou presença na Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) em Nova York, no evento, criticou os Estados Unidos pelos embargos econômicos que impôs a Cuba.
“O Brasil seguirá denunciando medidas tomadas sem amparo na Carta da ONU, como o embargo econômico e financeiro imposto a Cuba e a tentativa de classificar esse país como estado patrocinador do terrorismo”, disse Lula sobre o embargo que o país enfrenta desde 1960, reforçando o mesmo discurso que havia feito ao lado de Díaz-Canel alguns dias antes.
O último encontro entre os líderes aconteceu no início deste mês, em Dubai, durante a Cúpula do Clima das Nações Unidas, a COP 28. No entanto, não foram divulgados os detalhes da conversa entre Lula e Díaz-Canel.
Lula colocou o Brasil mais perto de Maduro, ditador da Venezuela.
Outro ditador com quem Lula se encontrou pessoalmente em 2023 foi o venezuelano Nicolas Maduro, recebido com pompas em Brasília na véspera da Cúpula da América do Sul que Lula sediou na capital. Brasileira. Maduro foi o único líder sul-americano que chegou ao Brasil um dia antes do evento, participou de reuniões e de um almoço com Lula.
O encontro, conforme informou o Planalto, tinha o mesmo objetivo que as primeiras reuniões de Lula com Díaz-Canel: a retomada do relacionamento bilateral. Os dois líderes esquerdistas também falaram sobre o comércio entre os dois países e discutiram a dívida bilionária que a Venezuela tem com o governo brasileiro. Caracas fez empréstimos através do BNDES para financiar obras de infraestrutura no país. Atualmente o valor da dívida chega a U$1,3 bilhão.
Lula chegou a dizer em algumas oportunidades que a Venezuela, assim como Cuba, não pagou a dívida pois não teve oportunidades nos últimos anos, pois Bolsonaro rompeu com o país. Até o final deste ano, contudo, Caracas não deu início ao pagamento do débito. Conforme havia revelado a Gazeta do Povo anteriormente, o país estava evitando reuniões com o Brasil para discutir valores e formas de pagamento da dívida.
Lula também fez declarações controversas ao demonstrar apoio ao regime de Maduro. Disse em entrevista a uma rádio gaúcha, em junho, que “democracia é um conceito relativo” depois de afirmar que a Venezuela realiza mais eleições que o Brasil — ignorando, deliberadamente, as prisões políticas e a cooptação das instituições venezuelanas, como a Justiça e o Congresso, pelo regime.
Também afirmou que há uma “narrativa” contra a Venezuela. “Eu vou em lugares que as pessoas nem sabem onde fica a Venezuela, mas sabem que a Venezuela tem problema de democracia, que o governo não sei das quantas. Então, é preciso que você, Maduro, construa a sua narrativa. Eu acho que, por tudo que nós conversamos, a sua narrativa é infinitamente melhor do que a narrativa que eles têm contado contra você”, disse Lula na coletiva de imprensa do encontro bilateral, ao lado do venezuelano.
Mais recentemente, essa aproximação com Maduro resultou em uma dor de cabeça para o governo. As ameaças do venezuelano de invadir e anexar parte da Guiana ao seu território mancharam a imagem de Lula e causaram preocupação no Itamaraty.
Lula se encontrou com ditadores da África, Ásia e América Latina.
Nos últimos 12 meses, além dos ditadores de Cuba e Venezuela, líderes dos seguintes países também se encontraram com Lula, Arábia Saudita, Cabo Verde, Catar, China, Emirados Árabes, Etiópia, Guiné-Biassau, Irã, República Democrática do Congo, República do Congo e Vietnã.
Grande parte dos encontros que reuniu Lula com os líderes dos países acima, acontece às margens de eventos internacionais ou cúpulas. Em alguns deles, contudo, o petista foi convidado para ir até o país, como foi o caso da China, Emirados Árabes, Arábia Saudita e Catar, além de Cuba.
A maioria das reuniões foi motivada pela parceria comercial, com a intenção de fechar acordos bilaterais. Nos encontros com líderes de países que possuem identificação ideológica com Lula, o interesse em “reforçar os laços” e manter um diálogo próximo também esteve na pauta, como foi o caso do encontro com Xi Jinping, líder chinês.
Encontro com Irã e países do Oriente Médio.
Neste ano Lula ainda teve diversos encontros com países do Oriente Médio, inclusive com o Irã. Em agosto, o brasileiro se reuniu com Seyyed Ebrahim Rasi, presidente do país. O encontro aconteceu logo depois de uma cúpula dos BRICS (bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) na África do Sul, em que o bloco anunciou a sua expansão.
O Irã foi um dos países convidados para integrar o bloco a partir de 2024. Argentina, Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes e Etiópia também foram convidados para integrar os BRICS no próximo ano. A seleção dos países, sobretudo do Irã, chamou a atenção da comunidade internacional. Considerado um dos países menos democráticos do mundo (ocupando a 154º posição no ranking do The economist) o Irã é acusado de patrocinar grupos terroristas.
Organizações criminosas como HAMAS e Hezbollah são patrocinadas pelo governo iraniano. Os grupos causam guerras no Oriente Médio e, recentemente. O Hezbollah tentou recrutar brasileiros para praticar ataques terroristas no Brasil. A tentativa foi interceptada pela Polícia Federal. O país ainda é acusado de cometer uma série de crimes contra os direitos humanos e os direitos das mulheres.
O encontro entre Lula e Ebrahim Raisi aconteceu dois meses antes da guerra entre Hamas e Israel, na faixa de Gaza. No encontro, o presidente iraniano agradeceu a entrada do país no BRICS e falou em ampliar as relações comerciais entre os dois países. Em 2022 o Irã foi o país do Oriente Médio que mais importou produtos brasileiros.
Neste ano Lula se encontrou ainda com Mohammed bin Salman, príncipe herdeiro e primeiro-ministro da Arábia Saudita; Tamim bin Hamad al-Thani, emir do Catar; e com o xeique Mohammed bin Zayed Al-Nahyan, presidente dos Emirados Árabes Unidos. Os encontros foram marcados pelo interesse. Em fechar parcerias comerciais em diversas áreas.
Lula encerrou sua agenda internacional com um tour pelo Oriente Médio e, após encontros com o governo dos Emirados Árabes Unidos, recebeu o convite para o Brasil ingressar a OPEP+. A Organização dos Países Produtores de Petróleo, formada por Arábia Saudita, Agília, Angola, Emirados Árabes Unidos, Gabam, Guiné Equatorial, Irã, Iraque, Kuwait, Líbia, Nigéria, República do Congo e Venezuela, passou a integrar mais países em 2016.
À época, Rússia, Cazaquistão, Azerbaijão, Malásia, México, Parém, Brunei, Oman, Sudão e Sudão do Sul, passaram a integrar a OPEP+, organização que nasceu com o intuito de frear a queda do preço de petróleo.
Outros autocratas: Lula congelou relação com Ortega, mas minimizou o papel de Putin na guerra.
Apesar de não ter tido uma reunião bilateral com Vladimir Putin, presidente da Rússia, os dois se encontraram durante a cúpula do G7, no Japão. Desde que assumiu para este mandato, Lula fez declarações contraditórias sobre a guerra que a Rússia iniciou contra a Ucrânia. De acordo com o ranking da The Economist, a Rússia também é uma autocracia.
O presidente brasileiro ainda causou polêmica ao dizer que não prenderia Putin se ele viesse ao Brasil. O país, contudo, é signatário Tribunal Penal Internacional (TPI) e o órgão possui um mandado de prisão contra o russo por crimes de guerra. Conforme prevê o Estado de Roma, os países signatários do TPI devem seguir os mandados de prisão expeditos pelo tribunal. Após a repercussão negativa, o petista mudou o tom sobre a presença de Putin em eventos no Brasil.
Em alguns momentos, o mandatário brasileiro chegou a relativizar a culpa da Rússia na guerra, dizendo que a Ucrânia, país invadido, seria tão culpada pelo conflito quanto seu invasor. Putin e Lula também trocaram telefonemas. Foram duas ligações em que os líderes conversaram sobre a guerra.
Por outro lado, Lula evitou contatos com o ditador Daniel Ortega, da Nicarágua. À frente do país há 15 anos, Ortega é acusado de uma série de crimes políticos e de perseguir membros da igreja católica. Nos primeiros mandatos de Lula, ela e Ortega mantiveram uma relação próxima, devido à identificação ideológica de esquerda que possuem.
Lula, contudo, passou a evitar o autocrata devido, principalmente, à perseguição a cristãos promovida pelo ditador nicaraguense. O brasileiro chegou a intermediar a liberação de um bispo católico que Ortega havia perseguido e prendido. O membro da igreja, contudo, não aceitou as condições impostas por Ortega para ser solto e, dois dias depois de sua liberação, voltou a ser preso.
Em 2023, Lula não se encontrou e nem manteve contato com o nicaraguense. Os contatos que o Brasil teve com o país foram feitos por intermédio do Itamaraty.
Publicado originalmente por Gazeta do Povo