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Por que tentam transformar fake News em problema maior do que enchente?

Com o Rio Grande do Sul debaixo d’água, o grande problema são as fake News? Para certa imprensa, sim. Ideologia e partidarismo explicam.

Com o Rio Grande do Sul debaixo d’água, o grande problema a ser enfrentado são as fake news? Fake news estão impedindo o estado brasileiro de ajudar as pessoas como deveria?

De acordo com a imprensa, ou certa imprensa, a resposta é sim, as fake news vêm prejudicando enormemente operações de salvamento. Mas nenhum grande exemplo foi nos dado ver até agora. Há uma história aqui, outra a colar, mas sempre muito pontual, de gente que foi induzida a erro por acreditar em mentira lida em rede social. A indústria de fake news vem fracassando miseravelmente.

Nesse processo jornalístico, tenta-se incorporar duas verdades ao magro cardápio de fake news. A primeira verdade, a sociedade civil está tendo papel fundamental no socorro às vítimas da hecatombe pluviométrica.

Não fossem a solidariedade e a mobilização da sociedade civil – a verdadeira, não a formada pelas linhas auxiliares de partidos políticos – de milhares de pessoas teriam morrido no Rio Grande do Sul. Sociedade civil que cometeu a imprudência de prescindir da imprensa, cada vez mais desimportante, para se organizar nacionalmente. Rede social é mesmo um problema.

Essas dezenas de milhares de pessoas não teriam como ser salvas se contassem apenas com a ajuda estatal. Mesmo que tivesse adquirido uma competência repentina, o Estado brasileiro, sozinho, não teria como dar conta imediata do tamanho da catástrofe que se abateu, e ainda se abate, sobre os gaúchos.

A segunda verdade, a insegurança andava grassando no interior do Rio Grande do Sul, com saques a casas e comércios alagados e vazios. Não era, não é coisa de somenos.

A tentativa de transformar verdades em mentiras é porque é preciso salvar o Estado brasileiro de si próprio. É imperativo também manter a todo custo, inclusive o de vidas, a ideia falida de que o Estado máximo é o máximo, bem como aproveitar a oportunidade para divulgar a desonestidade de que quem critica governo e defende Estado mínimo não deveria criticar o governo porque defende Estado nenhum. A ideologia e o partidarismo exigem a indecência argumentativa, tanto na imprensa, ou certa imprensa, como fora dela.

No partidarismo, entra a emergência eleitoral, a tragédia gaúcha não pode ser para Lula o que a Covid foi para Jair Bolsonaro. Como os bolsonaristas buscam anular a responsabilidade do seu líder com essa comparação, que acho despropositada, fique claro, embora isso não implique a absolvição do governo atual das suas responsabilidades, o negócio, companheiros, é ir além, fazer uma limpa geral e condenar toda e qualquer crítica legítima ao governo e a instituições estatais, como se todas fossem fake news produzidas pelas redes sociais.

Vozes discordantes têm de ser censuradas e criminalizadas. Que sejam incluídas, portanto, no pacotão de fake news. O uso da tragédia para amordaçar as redes com uma regulação feita por quem só quer calar adversários é despudorado. Esses sensores só não perderam a vergonha porque nunca a tiveram.

Enquanto jornalistas militantes berram contra as fake news, lembrou-se igualmente na imprensa (ah, a beleza das contradições de quem sobrevive por aparelhos) de que o governo de Dilma Rousseff reuniu um grupo de cientistas para avaliar o impacto das mudanças climáticas no país. Eles produziram, de 2013 a 2015, uma série de estudos intitulada Brasil 2040.

Os cientistas apontaram, entre outros perigos, que aumentaria exponencialmente a incidência de chuvas extremas no sul do país, exatamente como ocorre agora.

O grupo foi ouvido pelo governo que o formou? Não. Ficou inconveniente para uma administração que apostava na construção de grandes hidrelétricas na Amazônia dar atenção a cientistas que alertavam, em outro capítulo, para a redução da vazão dos rios da região.

Passada uma década, o que temos agora quanto às ações preventivas em escala nacional? A empolgante Marina Silva dizendo que é necessário criar uma “UTI climática”.

É uma expressão que rende manchete, mas, na prática, qual é o plano do governo para prevenção de acidentes climáticos?

O jornalista Sérgio Roxo, que entrevistou a ministra do Meio Ambiente de Lula, fez a pergunta e obteve a seguinte resposta:

“O plano é uma tentativa de fazer um deslocamento da necessária abordagem de gestão do desastre para a gestão do risco. Nós não temos um similar (no mundo). A chuva vai acontecer do mesmo jeito, porque não se fez o trabalho preventivo a partir da Rio 92. Não só o Brasil, mas o mundo inteiro. O plano tem a característica de preparação e adaptação. Não é um plano de curto prazo. É um plano de médio e longo prazos. É um plano que já está em andamento, mas passa a ter uma estrutura”.

Depois de ouvir Marina Silva, dá para entender por que fake news parecem mais críveis do que a realidade, e também a urgência em transformar verdades em fake news.

Texto de Mário Sabino para a Revista Oeste

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